Policarpo
de Esmirna (c. 69 — c. 155) foi um bispo (ou superintendente, sendo no
grego Epískopos) de Esmirna (atualmente na Turquia)
no segundo
século. Morreu como um mártir, vítima da perseguição
romana, aos oitenta e seis anos. É reconhecido como santo tanto
pela Igreja Católica Romana quanto pelas Igrejas Ortodoxas Orientais.
É um dos
grandes Pastores Apostólicos, ou seja, pertencia ao número daqueles que
conviveram com os primeiros apóstolos e
serviram de elo entre aIgreja primitiva e a igreja do mundo greco-romano.
Vida e obras
Policarpo foi
ordenado bispo de Esmirna pelo
próprio João Evangelista[1].
De caráter reto, de alto saber, amor a Igreja e fiel à ortodoxia da fé, era
respeitado por todos no Oriente. Com a perseguição, o Santo bispo de 86 anos,
escondeu-se até ser preso e assim foi levado para o governador, que pretendia
convencê-lo de negar a Cristo. Policarpo, porém, proferiu estas palavras:
"Há oitenta e seis anos sirvo a Cristo e nenhum mal tenho recebido Dele.
Como poderei negar Aquele a quem prestei culto e rejeitar o meu
Salvador?".
Nascido em uma família cristã por
volta dos anos 70,
na Ásia Menor (atual Turquia),
Policarpo dizia ser discípulo do Apóstolo João. Em sua juventude costumava se
sentar aos pés do Apóstolo do amor. Também teve a oportunidade de
conhecer Irineu, o mais importante erudito cristão do
final do segundo século. Inácio de Antioquia, em seu trajeto para o
martírio romano em 116, escreveu cartas para Policarpo e para a igreja de
Esmirna.
Nos dias do Papa Aniceto,
Policarpo visitou Roma, a fim de representar as igrejas da Ásia Menor que
observavam a Páscoa no dia 14 do mês de Nisan. Apesar de não chegar a
um acordo com o papa sobre este assunto, ambos mantiveram uma amizade. Ainda
estando em Roma, Policarpo conheceu alguns hereges da seita dos Valentianos (inclusive Valentim),
e encontrou-se com Marcião, o qual Policarpo denominava de “primogênito de
Satanás”
Epístola de Policarpo aos Filipenses
Apesar de escrever várias cartas, a
única preservada até a data, foi a endereçada aos Filipenses no ano 110.
O martírio de Policarpo é descrito
um ano depois de sua morte, em uma carta enviada pela Igreja de Esmirna à Igreja de Filomélio. Este
registro é o mais antigo martirológio cristão existente. Diz a história que
o procônsul romano, Antonino Pio,
e as autoridades civis tentaram persuadi-lo a abandonar sua fé em sua avançada
idade, a fim de alcançar sua liberdade. Ele, entretanto, respondeu com
autoridade: “Eu tenho servido Cristo por 86 anos e ele nunca me fez nada de
mal. Como posso blasfemar contra meu Rei que me salvou? Eu sou um crente”!
No ano 155, em Esmirna, Policarpo
é colocado na fogueira Milagrosamente as chamas não o queimaram. Seus
inimigos, então, o apunhalaram até a morte e depois queimaram o seu corpo numa
estaca. Depois de tudo terminado, seus discípulos tomaram o restante de seus
ossos e o colocaram em uma sepultura apropriada. Segundo a história, os judeus
estavam tão ávidos pela morte de Policarpo quanto os pagãos, por causa de sua
defesa contra as heresias.
O martírio de
Policarpo, bispo de Esmirna.
Policarpo
morreu mártir naquele tempo, (a data do martírio, que Eusébio, na Crónica,
coloca em 177, é fixada na época de Antonino Pio) enquanto a Ásia era
assolada por grandíssimas perseguições. Julgo absolutamente necessário contar
o relato da sua morte, conservado ainda hoje por escrito. Existe, com efeito,
a carta dirigida às dioceses da região em nome da Igreja de que ele estava à
frente, que assim diz a seu respeito:
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"A
Igreja de Deus que reside em Esmirna à Igreja de Deus que reside em Filomélio
e a todas as dioceses da santa Igreja católica espalhadas em todo o lugar.
Multipliquem-se a misericórdia, a paz e o amor de Deus Pai e do nosso Senhor
Jesus Cristo. Escrevemos-vos, irmãos, a propósito daqueles que sofreram o
martírio e do bem-aventurado Policarpo, que com o seu martírio como que selou
e concluiu a perseguição".
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Portanto,
antes da história de Policarpo, nela se narram as dos demais mártires,
descrevendo a firmeza por eles mostrada perante os tormentos. Diz-se, com
efeito, que os espectadores presentes no circo ficaram pasmados a
vê-los: lacerados pelos flagelos até às veias e artérias mais profundas, ao
ponto que se chegou a ver até as partes mais escondidas deles; estendidos
sobre abrolhos e pontas aguçadas; e por fim, após ter sofrido toda a espécie
de suplício e tortura, eram dados de comer às feras. Contam que se destacou
em particular o corajoso Germânico, que superou com a graça divina o medo
inato da morte física. E enquanto o procônsul queria dissuadi-lo, alegando a
sua idade e suplicando-lhe, já que era ainda tão jovem e estava na flor dos
anos, que tivesse piedade de si mesmo, ele não hesitou e com coragem atraiu a
fera sobre si, quase obrigando-a e excitando-a, para que o libertasse quanto
antes desta vida injusta e iníqua. Perante a nobre morte deste, a multidão
inteira ficou estupefacta pela coragem do pio mártir e pelo valor de toda a
estirpe cristã, e começou a gritar em uníssono: "Fora com os ateus!
Busque-se Policarpo!". A tais gritos seguiu-se um grande tumulto, e um
tal, frígio de estirpe, de nome Quinto, que tinha chegado recentemente da
Frígia, vendo as feras e todos os outros suplícios que o ameaçavam, desanimou
e cedeu, renunciando por fim à salvação. O texto da supracitada carta refere
que ele se apresentou em tribunal juntamente com outros, mais por presunção,
que por devoção: a sua queda ofereceu portanto a todos um claro exemplo de
como não se deviam enfrentar semelhantes riscos sem convicção. Assim morreram
estes homens.
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Quanto
ao mui admirável Policarpo, ao ouvir estas coisas primeiramente permaneceu
calmo, mantendo-se firme e íntegro como sempre, e quis ficar na cidade, mas
depois obedeceu aos companheiros que lhe rogavam e suplicavam que se
afastasse, e retirou-se para uma herdade não longe da cidade, onde viveu com
poucos companheiros, não fazendo mais, noite e dia, que perseverar nas orações
ao Senhor. Orando, invocava e implorava a paz para as Igrejas de toda a
terra, como tinha sempre sido seu hábito. Três dias antes da sua detenção,
teve de noite uma visão, e viu o travesseiro que estava por debaixo da sua
cabeça incendiar-se subitamente e consumir-se. Ao que acordou e explicou
imediatamente a visão aos presentes, embora sem predizer o futuro e anunciar
claramente aos companheiros que devia morrer por Cristo na fogueira. Visto
que aqueles que tinham sido encarregados dele, o procuravam com grande
zelo, constrangido pelo afecto e pelo apego dos irmãos, diz-se que se
transferiu para uma outra herdade; e aqui, pouco depois, sobrevieram os seus
perseguidores e prenderam dois servos que encontraram ali. Por um deles
vieram a saber, torturando-o, o esconderijo de Policarpo. Chegados lá a horas
tardias, encontraram-no a repousar num sotão, de onde lhe teria sido possível
passar para uma outra casa, mas ele não quis e disse: "Seja feita a
vontade de Deus". Tendo sabido da sua presença, como refere o relato,
desceu e falou com eles com um rosto dulcíssimo e tão alegre, que a esses,
que nunca o tinham conhecido antes, pareceu ver um milagre, quando observaram
esse homem de idade avançada pelo porte venerando e calmo, e se admiraram de
tanta preocupação para prender um semelhante velho. Sem demoras ele mandou
preparar imediatamente uma mesa para eles e os convidou para um abundante
almoço, depois pediu-lhes uma hora somente, para orar em paz. Concederam-lha
e ele, levantando-se, orou cheio da graça do Senhor, ao ponto que os
presentes, ouvindo-o orar, ficaram estupefactos e muitos deles lamentaram que
um velho tão venerando e pio estivesse para ser morto. O escrito que lhe diz
respeito continua textualmente assim:
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"Quando
terminou a oração, após ter recordado todos aqueles que tinha encontrado,
pequenos e grandes, ilustres e desconhecidos, e a inteira Igreja católica
espalhada no mundo, chegando a hora de ir, puseram-no sobre um jumento e
levaram-no para a cidade, um sábado de festa. Encontraram-no o irenarca
Herodes e seu pai Niceta, os quais, fazendo-o subir para a sua carroça,
sentaram-se perto dele e procuraram convencê-lo, dizendo: "Que mal há em
dizer: César senhor, e em sacrificar para salvar-se?". Ele primeiro não
respondeu, depois, dado que eles insistiam, disse: "Não pretendo fazer o
que me aconselhais". Então, não conseguindo persuadi-lo, dirigiram-lhe
palavras torpes e o fizeram descer tão apressadamente, que saindo da carroça
feriu-se na canela, mas ele, sem se voltar, como se não tivesse sentido nada,
prosseguiu a pé apressadamente e de bom grado, e foi conduzido ao estádio.
Aqui o clamor era tão grande, que ninguém poderia fazer-se ouvir. Mas à
entrada de Policarpo no estádio uma voz desceu do céu: "Sê forte,
Policarpo, e comporta-te como um homem!". Ninguém viu quem falava, mas
muitos dos nossos que estavam presentes ouviram essa voz . Enquanto era
conduzido, houve um grande tumulto por parte de quantos tinham ouvido
que Policarpo tinha sido preso. Chegando à frente, o procônsul perguntou-lhe
se era Policarpo, e visto que ele o confirmou, tentou persuadi-lo a abjurar
dizendo: "Respeita a tua idade", e outras coisas semelhantes que
costumam dizer, como: Jura pelo génio de César, arrepende-te, diz: 'Fora com
os ateus! Então Policarpo, olhando com o rosto sério a multidão que estava no
estádio, agitou para ela a mão e gemendo levantou os olhos ao céu, e disse:
"Fora com os ateus!". Mas o procônsul insistia: "Jura, e te
deixarei ir. Insulta Cristo". Policarpo respondeu: "Sirvo-o há
oitenta e seis anos e não me fez algum mal: como posso blasfemar o meu rei,
aquele que me salvou?". E o outro insistia: "Jura pelo gênio de
César". Então Policarpo disse: "Se te iludes que eu jure pelo gênio
de César, como dizes fingindo não saber quem sou eu, ouve bem: eu sou
cristão. “E se quiseres conhecer a doutrina do Cristianismo, concede-me um
dia e fica-me a ouvir”. Respondeu o procônsul: "Convence o povo!".
E Policarpo: "A ti estimei digno de um discurso, porque nos ensinaram a
tributar aos magistrados e às autoridades instituídas por Deus a honra que
lhes compete, se isto não nos trouxer dano, mas estes não merecem ouvir a
minha defesa". Retomou o procônsul: "Tenho feras. Entregar-te-ei a
elas, se não mudares de ideias". Respondeu Policarpo: "Chama-as. “Não
mudaremos de opinião para ir do melhor para o pior, enquanto é belo passar do
mal para a justiça”. E o outro: "Far-te-ei domar pela fogueira, se não
te importam as feras, a menos que tu mudes de ideias". E Policarpo:
"Tu ameaças um fogo que queima um momento e pouco depois se apaga,
porque não conheces o fogo do juízo que virá e da punição eterna reservada
aos ímpios. Mas por que demoras? Faz vir o que quiseres". Dizendo estas
e muitas outras coisas ainda, se encheu de coragem e de alegria, e o seu rosto
se encheu de graça, assim que não só não se assustou com as palavras lhe
dirigidas, mas foi antes o procônsul a ficar comovido, e mandou um arauto ao
meio do estádio anunciar três vezes: Policarpo confessou ser cristão. Assim
que o arauto o anunciou, toda a multidão de pagãos e de Judeus habitantes em
Esmirna gritou com grande voz e com ira incontível: "Este é o
mestre da Ásia, o pai dos Cristãos, o destruidor dos nossos deuses, aquele
que ensina a muitos a não sacrificar e a não adorar". Assim dizendo, gritaram
e pediram ao asiática Filipe para que soltasse um leão contra Policarpo, mas
ele respondeu que não lhe era permitido visto que o espetáculos das
feras tinha acabado. Então puseram-se todos a reclamar com grande voz
que Policarpo fosse queimado vivo. Devia assim cumprir-se a visão do
travesseiro que lhe apareceu enquanto orava, quando o viu arder, e virado
para os fiéis que estavam com ele, profetizou: "Devo ser queimado
vivo". O que aconteceu quase antes que fosse dito, já que a multidão recolheu
imediatamente das oficinas e das termas madeira e faxinas, e se entregaram a
esta tarefa com brio sobretudo os Judeus, como era seu hábito. Assim que a
fogueira ficou pronta, após ter tirado sozinho todas as roupas, solto o
cinto, começou a tirar também as sandálias, coisa que antes nunca fazia por
si, porque todo o fiel procurava fazê-lo para ser o primeiro a tocar a sua
pele: por causa da sua santidade, foi de fato honrado em tudo ainda antes da
velhice. Portanto se lhe puseram logo à volta os materiais preparados para a
fogueira. Quando foram para pregá-lo, disse: "Deixai-me assim. Porque
“aquele que me concede suportar o fogo, me concederá também resistir firme na
fogueira sem necessidade dos vossos pregos”. Então não o pregaram, mas o
amarraram. Postas as mãos atrás das costas, foi amarrado, como um carneiro
escolhido de um grande rebanho em holocausto aceito a Deus todo-poderoso, e
disse: "Pai do teu amado e bendito Filho Jesus Cristo, por meio do qual
te conhecemos, Deus dos anjos e das potestades, te bendigo por me teres
julgado digno deste dia e deste momento, fazendo-me participante, no
número dos mártires, do cálice do teu Cristo para a ressurreição da alma e do
corpo na vida eterna e na incorruptibilidade do Espírito Santo. Possa eu hoje
ser acolhido entre eles diante de ti num sacrifício cevado e agradável, como
tu mesmo me preparaste e manifestaste e levas agora a cumprimento, Deus veraz
e leal. Por isso eu te louvo também por todas as coisas, te bendigo, te dou
glória por meio do pontífice eterno Jesus Cristo teu Filho dilecto, e por seu
meio seja a glória a ti em união com Ele no Espírito Santo agora e sempre nos
séculos vindouros, amem".
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"Pronunciado
o amem e terminada a oração, os encarregados acenderam o fogo, e enquanto
lavrava uma grande chama assistimos a um milagre, nós a quem foi dado ver e
que fomos conservados para contar aos outros o que aconteceu. O fogo, com
efeito, tomou a forma de abóbada, como uma vela de barco inchada pelo vento,
e circundou o corpo do mártir, que estava no meio dele não como carne que
queimava, mas como ouro e prata sendo refinados numa fornalha. E nós sentimos
um odor intenso como o perfume de incenso ou de outros aromas preciosos.
Aqueles malvados, por fim, vendo que o fogo não conseguia consumir o seu
corpo, ordenaram a um confector (o executor, aquele que na arena 'acabava'
com o lutador ou a fera já ferida) ir cravar uma espada nele. Feito isto,
saiu uma tal quantidade de sangue dele, que o fogo se apagou e toda a
multidão pasmou com uma tão grande diferença entre os não crentes e os
eleitos, um dos quais foi certamente o maravilhoso Policarpo, mestre
apostólico e profético nosso contemporâneo, bispo da Igreja católica de
Esmirna: toda a palavra que saiu da sua boca se cumpriu e se cumprirá. Mas o
Maligno, rival astuto, adversário da estirpe dos justos, vendo a grandeza do
seu martírio, a sua conduta desde sempre irrepreensível, a coroa da
incorruptibilidade de que estava cingido, o premio incontestável obtido, agiu
para que pelo menos o seu cadáver não fosse recolhido por nós, malgrado
muitos desejassem fazê-lo para ter consigo o seu santo corpo. Alguns
sugeriram, por conseguinte, a Niceta, pai de Herodes e irmão de Alce, que
suplicasse ao governador para que não entregasse o seu corpo, 'por temor'
disse 'que se ponham a venerar este, esquecendo o Crucificado'. Disseram isto
aconselhados e instigados pelos Judeus, que nos espiavam quando estávamos
para tirá-lo da fogueira, porque não sabem que nós nunca poderemos abandonar
nem Cristo, que sofreu a paixão para a salvação daqueles que no mundo inteiro
são salvos, nem venerar algum outro. Porque a Ele, nós o adoramos enquanto
Filho de Deus, ao passo que os mártires, os amamos justamente enquanto
discípulos e imitadores do Senhor por causa do seu insuperável
amor pelo seu rei e mestre. Queira o céu que também nós possamos ser
companheiros e condiscípulos deles! O centurião, então, vendo a contenda provocada
pelos Judeus, fez colocar o cadáver no meio, segundo o seu hábito
ordenou queimá-lo.
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